Este Blog destina-se a realização de atividades e interação entre os membros do curso Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça - GPPGR, em especial os componentes do grupo 4, bem como todo aquele ou toda aquela que quiser expor suas ideias a respeito do tema "Igualdade de gênero, raça / etnia na educação formal".

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Violência contra mulher explode na classe média

Só procurei o posto de saúde uma vez. Foi quando precisei tomar seis pontos na cabeça. O restante nunca contei para ninguém”


Clarice, 34 anos

apanhou durante 13 anos calada
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Mulheres que sofrem agressões na capital também moram em áreas nobres, 63% delas vítimas dos maridos
Fernanda Aranda, JT
fernanda.aranda@grupoestado.com.br
A violência contra a mulher rompeu o muro de silêncio que cercava as casas de classe média e alta em São Paulo. Levantamento feito pelo Jornal da Tarde, com base nas estatísticas de pacientes do sexo feminino atendidos em unidades de saúde paulistanas e tabulados pelo movimento Nossa São Paulo, mostra que bairros como Pinheiros, Vila Mariana, Lapa e Ipiranga aparecem como locais onde os índices de agressão mais cresceram na capital paulista no ano passado.
Ferida que ainda não cicatrizou na luta das mulheres, a rotina de tapas, socos, chutes e xingamentos enfrentada por muitas em pleno século 21 ainda reforça que nem todas as diferenças entre os sexos foram equilibradas, apesar da invasão delas no mercado de trabalho, universidades e cargos de chefia. “O fundamento da violência é o exercício de poder. Ainda está enraizado na cultura, de qualquer classe social, que os homens são superiores. Uma das formas de exercer a superioridade é pela violência”, afirma Sônia Coelho, integrante da SempreViva Organização Feminista.
Além de estar mais visível nos números dos distritos de situação econômica favorecida, as mulheres que apanham também moram em regiões onde a pobreza e a vulnerabilidade social reinam. Das 31 subprefeituras que formam a cidade, em 25 delas a incidência de maus-tratos foi ampliada (veja abaixo). A agressão democrática deixa aos poucos de ser secreta, ganha ferramentas para chegar a público (como a Lei Maria da Penha) e por isso está espalhada por todos os cantos, define Katia Guimarães, diretora da subsecretaria de enfrentamento da violência do governo federal. No entanto, na classe média, lembra ela, o fenômeno era ainda mais velado e só agora começa a ultrapassar as barreiras.
Jefferson Drezet, médico do hospital da mulher Pérola Byington, costuma dizer que as paredes das mansões são bem mais espessas do que as dos barracos. É preciso um trator de denúncia para que o problema seja visto, já que dentro das residências é onde acontecem 90% dos casos.
Ainda que o inimigo seja íntimo, as denúncias têm aumentado. A Central de Atendimento à Mulher (número180, serviço 24h vinculado à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres) registrou 269.977 atendimentos de janeiro a dezembro de 2008, um aumento de 32% em relação ao ano de 2007 (204.978).
Quem estuda a violência ou quem sofre a agressão não fala em crescimento da quantidade de violentadores e violentadas na classe média. A expressão “estava debaixo do tapete e agora aparece” é a mais emblemática para explicar a ascensão numérica. Orkut, televisão e sites passaram a ser ferramentas de ecoar o problema, o que também repercute no índice.
Um câncer na alma
Para se ter uma ideia, por ano o câncer de mama tem incidência de 90 novos casos em cada 100 mil mulheres paulistanas, estimados pelo Inca. A violência, no mesmo universo de pessoas, faz 123 vítimas na capital. Os dados, ainda que pareçam elevados, podem estar subestimados. Nos números usados pela reportagem, apenas são computadas as mulheres que chegam ao hospital com sinais de agressão e admitem o espancamento aos funcionários de saúde.
Clarice, 34 anos, apanhou durante 13 anos calada. Se entrou na estatística, representou uma única agressão, apesar de ter perdido as contas dos hematomas e sangramentos que teve. “Só procurei o posto de saúde uma vez. Foi quando precisei tomar seis pontos na cabeça. O restante nunca contei para ninguém”, diz. Ela só rompeu o ciclo de violência quando o filho de apenas 4 anos aprendeu a falar grosso. Espectador da luta travada pelo pai, ele passou a mandar a mãe calar a boca igualzinho como o seu parâmetro de homem fazia. “Resolvi que era hora de colocar um breque.” Ela esconde a identidade por vergonha. Vergonha de ter se acostumado a apanhar desde que, quando ainda na fase do namoro, aceitava os puxões de cabelo que expressavam “só ciúme”.
Mandar o marido embora é expulsar o provedor da casa. Assim como para ela, a dependência financeira do agressor é comum para 47% das mulheres que sofrem violência, mostra pesquisa da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres. E a autoria dos maus-tratos por parte dos companheiros é recorrente em 63,2% das notificações que acionaram o disque 180 em 2008. São Paulo foi o segundo Estado que mais acionou o serviço telefônico e para 37,1% das vítimas o maior risco de agressão era a ameaça de morte.
Muitos rostos
A violência contra a mulher pode ter muitas caras. Pode ser linda, loira, jovem, com diploma superior de enfermagem, português correto e roupas finas como Marina, 32 anos. Seu primeiro namorado, aos 12 anos, tornou-se o homem que acabou com seu rosto e seios de tanta pancada. Ou então, a violência pode ser representada pelas rugas, mãos calejadas de trabalhar na roça e cabelos grisalhos por causa dos 60 anos de Maria, que teve todas as unhas das mãos arrancadas por um canivete porque as coloriu de vermelho, o que não era permitido nas regras do pai do seu filho. Outra face do mesmo fenômeno pode ter madeixas tingidas de acaju, quatro filhos, ser coordenadora de um hospital, em plena forma para os 50 anos. Nair também é vítima. Do primeiro e do segundo marido, o que só aumenta a sua culpa por apanhar.
Ivone Dias, uma das assistentes do Núcleo de Defesa da Mulher Cidinha Kopcak, um dos mais importantes da capital, que é mantido em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), acredita que a violência ainda exista porque não faz muito tempo que deixou de ser olhada com naturalidade.
A própria Lei Maria da Penha foi criada só em 2006. “Alguns juízes e delegados de polícia são omissos e resistentes em aplicar a legislação. A violência vai continuar existindo enquanto a sensação de impunidade prevalecer.”


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